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Cem anos depois

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Luta pelo reconhecimento do Genocídio Armênio, que matou cerca de 1,5 milhão de pessoas, continua

Marcela Bonafé (1° semestre)

Foto: Marcela Bonafé

Igreja Apostólica Armênia São Jorge, muito frequentada pelos fiéis armênios, em São Paulo. Foto: Marcela Bonafé

O dia 24 de abril deste ano foi marcado por protestos em vários países. Há cem anos, 1,5 milhão de armênios foram assassinados. No entanto, a palavra genocídio para designar o que aconteceu ainda é usada em apenas 24 países, como Alemanha e Chile, além do Vaticano.

Durante meses, no então Império Otomano, armênios sofreram ameaças e foram mortos pelos turcos nacionalistas, que difundiam o panturquismo. Diante desse cenário, muitas famílias armênias fugiram do Império Otomano, algumas com destino ao Brasil.

Julia Gueogjian, descendente de armênios, explica que o Brasil ainda não reconheceu os crimes por ter acordos políticos com a Turquia. “Anualmente, em abril, fazemos uma manifestação em frente ao Consulado turco, exigindo o reconhecimento e mostrando para as pessoas que passam porque estamos lá”, conta.

Para Armen Pamboukdjian, editor-chefe do portal Estação Armênia, o reconhecimento do crime serve como lição, além de prevenção contra novos massacres. “Junto com o reconhecimento vem restituição, reparação, desculpas e muito mais coisas como indenizações”, comenta.

Genocídio

Para entender o Genocídio Armênio, é preciso saber o contexto que precedeu os acontecimentos de 1915. Já no final do século XIX, no Império Otomano, cerca de 300 mil armênios foram mortos por ordens do Sultão Abdul Hamid II. Nessa época, o Estado começava a perder territórios, o que acentuou o nacionalismo entre as minorias do país, que reivindicavam mais direitos, de acordo com o site Genocídio Armênio.

O governo viu essas manifestações por parte dos armênios como uma ameaça ao Império. A resposta de Abdul Hamid II foi uma forte repressão, levando à formação de grupos de resistência armênios. Foi então que o sultão começou a ordenar a matança e expulsão dos católicos do Império, pois considerava a melhor maneira de acabar com o problema.

Posteriormente, o poder foi tomado pelos Jovens Turcos, grupo formado por oficiais de exército e filhos de funcionários do governo. Eles consideravam os armênios aliados das potências ocidentais e, consequentemente, inimigos. Para esses jovens, eles seriam um povo difícil de “turquificar”.

O primeiro passo do que ficou conhecido como o Genocídio foi o desarmamento da população armênia. Posteriormente, houve a cessão da comunicação no campo de batalha e todas as cartas enviadas a outros países passaram a ser censuradas pelos turcos. As mortes começaram em decorrência da jornada de trabalho desumana a que foram submetidos. Isso aconteceu quando o ministro de Guerra, Enver Praxá, ordenou que os armênios das forças ativas otomanas fossem inscritos no Batalhão Trabalhista.

Mais adiante, Cedvet Bey, governante da cidade de Van, iniciou um massacre na região. Determinado a aniquilar a população armênia, ameaçava homens, mulheres e crianças. Como consequência, campos de refugiados protegidos por homens armados começaram a ser formados. Nesse contexto, o general russo, Yudenich, foi em socorro dos armênios em Van, no sudeste da Turquia.

Na noite de 24 de abril de 1915, 250 líderes e intelectuais armênios foram capturados e presos pelo governo otomano. Mais tarde, o número subiu para 550. A maioria dos presos foi deportada e, em seguida, morta. Cinco dias depois, foi aprovada uma lei que permitia que militares deportassem pessoas que eles sentissem que poderiam ser uma ameaça. “Além de tudo isso, os armênios foram expulsos de suas terras ancestrais, de perto dos montes, lagos e rios que fazem parte da história e literatura armênia. Perdemos territórios, que não foram poucos”, relembra Pamboukdjian.

Em setembro do mesmo ano, a Lei Tehcir, solicitada por Talaat Paxá, ministro do Interior, definiu que as propriedades e os bens “abandonados” por armênios no Império Otomano seriam confiscados pelas autoridades. O auge do massacre foi quando grande parte da população armênia, segundo ordens de Paxá, foi jogada no Mar Negro ou obrigada a caminhar até o deserto sem suprimentos. Além das mortes, armênios foram vítimas de roubos e estupros.

Os oficiais que se negassem a obedecer às ordens do general ou tentassem ajudar os supostos inimigos, seriam fuzilados. A população turca que prestasse socorro também era ameaçada. O site Genocídio Armênio aponta que, possivelmente, existiram cerca de 25 grandes campos de concentração. Neles, pessoas eram torturadas e queimadas vivas.

Durante os acontecimentos, países noticiaram o que acontecia no Império Otomano. No entanto, não intervieram. O desastre não foi ainda maior porque grupos de resistência impediram. Sobreviventes também se escondiam em meio aos cadáveres durante as deportações.

Um século depois

Hoje, as terceiras e quartas gerações de armênios ainda relembram o sofrimento de seus antepassados e anseiam por justiça. “Poderíamos ser um país maior territorialmente e mais evoluído economicamente”, reflete Julia. Pamboukdjian destaca que “essas almas [dos antepassados armênios] precisam de descanso, a Turquia precisa se acordar com a História e os armênios precisam do reconhecimento e tudo que concerne a ele, para poder caminhar para um futuro melhor”.

O sentimento comum de armenidade configura uma união entre os que exigem reconhecimento. Julia estuda em uma escola armênia, em São Paulo, e lá aprende sobre a cultura, o idioma e a história de seu povo. “A escola nos faz relembrar o genocídio, contando fatos, mostrando filmes nas aulas de armênio. Procuramos deixar isso vivo em nossas vidas”.

Serviço

Para saber mais sobre o a questão dos armênios:

Site – www.genocidioarmenio.com.br

Livro –  “História da Armênia – Drama e Esperança de uma Nação”, de Aharon Sapsezian (Editora Paz e Terra, 1988)

 

E os turcos?

A lei 301 do Código Penal turco pune quem fala em genocídio armênio. Diante desse quadro, em 2007, o jornalista Hrant Dink, de origem armênia, foi assassinado em frente a seu jornal em Instambul. Selin Alpaslan, estudante turca, diz que, na Turquia, todos discordam do Genocídio Armênio. Ela também conta que as eleições no país acontecem bem breve e os candidatos de diferentes partidos estão declarando isso.

Armen Pamboukdjian comenta que ainda há provocação por parte dos turcos negacionistas através de “invasões de hackers a sites armênios e violência real contra os armênios na Turquia”.  No entanto, as agressões verbais na internet são mais comuns, como acontece constantemente com Orhan Pamuk, turco vencedor do Nobel de literatura de 2008, que reconhece o Genocídio.

Selin destaca que tem amigos armênios e que eles têm uma boa relação sem falar sobre esse acontecimento histórico. “Mas em alguns lugares, na Turquia, são muito religiosos e conservadores e não gostam de pessoas que não sejam muçulmanas”.

Por fim, ela menciona que, como turca, não concorda com o assunto uma vez que a guerra foi entre dois lados. “Na Europa, muitos países concordam com isso, mas eles deveriam saber que eles [armênios] sempre nos atacaram no passado. Agora continuam humilhando nossa religião.”

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